O TEMPO É PRESENTE. Inventar o Comum

Curadoria de Angela Rui

Quantas vezes já ouvimos a frase “Não tenho tempo”? Partindo do princípio de que o tempo existe, dizer que não temos tempo significa, em termos qualitativos, que o tempo não nos pertence. No atual momento histórico, uma cultura de quantidade, eficiência e produção reduziu o tempo a tal ponto que as suas qualidades sensíveis são desconsideradas. Mas o que sucede com o cuidar das pessoas, de outras espécies e do ambiente que partilhamos e onde se cultiva um sentido de responsabilidade cívica? Quando as lógicas dominantes da medição e do capital se tornam os únicos parâmetros de referência, abrem-se fraturas ontológicas, provocando uma crise do que significa ser humano e afetando os próprios fundamentos da dignidade e das relações. As guerras devastam cidades, os ecossistemas entram em colapso e milhões de pessoas são deslocadas. Atualmente estas crises convergem em simultâneo, e é o reconhecimento da interação entre várias fraturas que faz com que outras formas de viver, de nos relacionarmos e organizarmos se tornem urgentes.

 

O que perdemos ao perder o tempo? Espacialmente, concetualmente, eticamente: o próprio potencial do Kairos; a antiga compreensão grega do tempo como o momento ideal em que algo decisivo, transformador e poético pode acontecer. É agora, no seio da ferida, que as pessoas enchem as praças das cidades para protestar, cantar, dançar e lamentar. E, no entanto, o que significa realmente considerar a noção e o poder do tempo presente?

 

Há alguns meses, o trabalho de Carlo Rovelli na área da física quântica deu-nos uma perspetiva surpreendente: o tempo não é realmente aquilo que pensamos ser. O que é a separação entre passado, presente e futuro? É principalmente uma construção da nossa perceção. Enquanto isso, a um nível profundamente físico, existe apenas uma rede de eventos interligados. Eventos, não coisas. Beijos, não pedras. Esta perspetiva científica ressoa fortemente com o tema principal da Biennale: o tempo é presente, não como um ponto entre o passado e o futuro e sim como a única dimensão na qual podemos efetivamente agir e construir. Mas agir e construir exigem mais do que intenção individual — exigem infraestrutura coletiva.

 

É com base nestas premissas que O TEMPO É PRESENTE. Inventar o Comum convida a uma mudança de perspetiva para habitarmos plenamente o aqui e agora, em vez de nos projetarmos em futuros especulativos. A afirmação “Inventar o Comum” amplia esta visão ao enquadrar o design como construção coletiva do mundo. Aqui, o Comum vai além dos recursos partilhados para abraçar uma dimensão fundamental da produção social que inclui elementos materiais, juntamente com a linguagem, o conhecimento, os afetos, as relações e, claro, a confiança. Na sua obra Commonwealth, Michael Hardt e Antonio Negri ampliaram a compreensão do Comum para incluir não apenas processos materiais, mas também imateriais, postulando que todas as práticas culturais, desde as artes até às simples saudações diárias, códigos culturais, emoções ou afetos, contribuem para a criação da riqueza comum. Esta perspetiva convida-nos a considerar as práticas culturais como parte de um ecossistema mais amplo de riqueza social partilhada, aprofundando a nossa apreciação dos bens culturais comuns como processos dinâmicos que moldam e são moldados continuamente pelos padrões das nossas interações.

 

Ao assumir o tempo como um recurso partilhado e o design como uma prática política, a quarta edição da Porto Design Biennale experimentou com a sua própria instituição, fazendo-a funcionar enquanto constituição e tornando-se um processo vivo, capaz de gerar ativamente novas relações sociais, formas de organização e modos de colaboração. Isto significa que todos os intervenientes envolvidos devotaram uma grande parte do seu tempo a este processo, reconhecendo em conjunto que todo o tipo de experimentação, colaboração e deliberação exige cuidado, escuta, paciência e a demonstração de confiança ao longo de todo o trabalho.

 

É por isso que a disciplina do design não é aqui apresentada como uma prática orientada para o futuro ou para a resolução de problemas, nem como um laboratório crítico, mas sim como um envolvimento ativo, contínuo e concreto com a materialidade do presente, onde a capacidade coletiva de moldar relações sistémicas se torna tanto um meio como um tema.

 

O que vai encontrar na exposição acolhida pela Casa do Design não são objetos, mas sim contribuições para o design do Comum — uma condição de pertença que rejeita a evasão do quotidiano por via da especulação sobre futuros impossíveis e recusa apresentar-se como a solução para todos os problemas. Em vez disso, o design constitui uma prática regenerativa para os ecossistemas sociais, garantindo que o presente se torna o lugar onde o valor coletivo da vida quotidiana pode florescer.

 

No espaço orquestrado pelo Diogo Passarinho Studio (Diogo Passarinho e Gonçalo Reynolds), que se revela através da experiência da mudança da luz do dia — temporalidades familiares para nós, animais diurnos —, mais de sessenta projetos intervêm a nível sistémico em torno das dinâmicas socioeconómicas atuais, propondo transformações qualitativas em várias escalas, algumas políticas e outras poéticas.

 

A exposição desenrola-se ao longo de seis limiares emocionais, cada um deles formando um território espacial e concetual onde os projetos se reúnem em torno de intensidades partilhadas: STAND, LOVE, LISTEN, HEAL, GATHER e PLAY. Trata-se de convites ativos para praticar infraestruturas sociais para a paz, reconhecendo que, na conceção do Comum, as emoções não são decorativas, mas estruturais. E a coleção de obras convida-nos a abraçar a nossa natureza constitutivamente relacional através de temporalidades impulsionadas pelo amor, em vez do medo.

 

Cada secção é ancorada por um dos Happisodes — projetos de design elaborados em colaboração entre designers, comunidades e municípios do Porto e Matosinhos que representam a oportunidade de melhorar o presente. São processos vivos e habitados, documentados através do trabalho do realizador de vídeo Miguel C. Tavares e explorados através de Paralaxes: Histórias do Comum — com curadoria da poeta e editora Andreia Faria, que reúne sete escritoras e uma artista/ilustradora para descobrir margens de resistência e alegria através da narrativa, da fabulação e da ficção especulativa.

 

Baseadas em espaços públicos e partilhados, estas intervenções apresentam-se como uma oferta real, permanente e cocriada para os cidadãos. Pretendem atuar como facilitadoras da convivialidade e criar condições para a reprodução social para além da lógica de mercado, através da sua dimensão reparadora. No contexto urbano, atuam como lições temporais sobre como habitar e organizar a vida coletiva de formas alternativas.

 

Acreditamos que as intervenções de design que estruturam o espaço de forma diferente reestruturam inevitavelmente o tempo de forma diferente, desconstruindo uma lógica predominante que reduz os ambientes urbanos a meros locais de extração e consumo excessivo.

 

Esta nova perspetiva da Porto Design Biennale apoia e reúne práticas de justiça espacial, facilitando ocasiões e locais onde o estar em comum pode florescer graças a encontros conviviais e positivos entre cidadãos, as suas organizações e as suas instituições.

 

Os sete projetos mapeiam diferentes intensidades do presente do Kairos, desde dispositivos sensoriais que tornam o cuidado tangível (In Synchro); arquiteturas sonoras que incentivam a escuta pública (House of Echoes); espaços de refeitório que reimaginam a dignidade (New Diner); espaços urbanos e institucionais que são transformados em locais para brincadeiras coletivas (Arena Viva); microarquiteturas autoconstruídas para encontros intergeracionais e autonomia (Pole Pole); parques infantis projetados em coautoria com as crianças (Serpentina) e bibliotecas que encaram o design como um campo de trabalho e recusa organizada (Comunoteca). Cada projeto é uma intervenção única que explora o modo como gestos de cuidado, montagem e cocriação podem estruturar o tempo e a vida quotidiana de maneiras alternativas.

 

Não se trata de uma fuga à crise, mas sim de um ensaio cultural, um teste coletivo no contexto do qual podemos construir, agora. O resultado pode não ser perfeito, mas despertou uma miríade de novas conversas e possibilidades que vão muito além da natureza efémera de uma bienal de design, bem como muito além dos círculos e discursos de design.

 

Sendo nós uma pequena equipa, temos aprendido juntos e colaborado desde há meses, enfrentando as pressões diárias das restrições de tempo enquanto usamos a própria noção de tempo como o nosso principal argumento, com o objetivo de libertar o design como prática social das restrições culturais e materiais. Mudar procedimentos convencionais e processos conhecidos nunca é fácil. Neste caso, chorámos, comemorámos, culpámo-nos uns aos outros e depois demos por nós a protegermo-nos uns aos outros como uma família. Reconhecemos que o que se encontra nesta exposição, e o que agora vive na esfera pública das cidades, é o resultado de uma jornada incrível e celebramos o facto de que, embora o mundo esteja cheio de divisões, também está cheio de energias, sonhos e ideias incríveis que precisam da nossa confiança e de ser partilhados e distribuídos.